Depois de ficarmos sabendo que era Carnaval e que o Papa havia renunciado, o tempo em El Chaltén mudou da água para o vinho - a garoa parou de cair e em questão de poucos minutos as nuvens pretas cederam lugar ao sol. Por isso, seria possível fazer o que tínhamos planejado: conhecer a famosa Laguna de los Tres, que ganha em disparado (e merecidamente) o troféu de maior atração turística de El Chaltén.
Enquanto preparávamos nossos sanduíches para levar na mochila, na cozinha da pousada, um casal de americanos que estava ocupando o outro quarto puxou assunto com a gente. Eles comentaram que também fariam a trilha da Laguna de los Tres naquele dia. A diferença é que, para não fazer o mesmo trajeto de ida e volta desde o centro da cidade, eles tomariam um táxi até a Hosteria El Pilar, e de lá começariam a caminhada. Dessa forma, fariam uma trilha alternativa para chegar até a Laguna, e voltariam pelo caminho padrão com destino ao centro. Nós não sabíamos que havia essa possibilidade, e achamos uma ideia excelente. Seria muito melhor, de fato, ir por um caminho e voltar pelo outro.
Pensamos muito antes de sugerir que dividíssemos o táxi com os americanos até a Hosteria. Tínhamos acabado de dizer para nós mesmos que não podíamos ter nenhuma despesa fora do previsto, e poucos minutos depois já estávamos cogitando pagar um táxi! Só que a ideia parecia tão interessante que simplesmente não conseguiríamos tirar isso da cabeça caso não fizéssemos. E foi assim que nós quatro pegamos um táxi da nossa pousada (La Guanaca) até a Hosteria El Pilar, que fica fora da cidade e isolada no meio de uma estradinha. Afinal, não saiu tão caro - o total foi o equivalente a 20 reais, que divididos por 4 acabaram valendo muito a pena!
Apesar de terem certa idade, os americanos tinham muita disposição para a caminhada. Andamos junto com eles durante o dia inteiro fazendo a trilha, e tivemos uma oportunidade única de pôr em prática nosso inglês em plena Patagônia. Além de engraçados e bons companheiros, gostei muito de conhecer (e invejar) um pouco mais do modo como eles vivem. Não estão nem aí para conforto nem aparência, aproveitam cada dia de férias para conhecer algum lugar diferente, investem todas as economias em viagem, fazem trilhas, sobem montanhas e praticam esportes. Tenho certeza absoluta de que quero envelhecer dessa mesma forma!
Sobre a trilha, o que posso dizer é que ela é ainda melhor que a da Laguna Torre! Muita diversidade de paisagem, muitas pontezinhas de madeira sobre rios de água cristalina, muitos acampamentos, bosques, picos nevados ao fundo - em resumo, um lugar espetacular!
Até uma coisa parecida com mangue (a última coisa que eu esperava) conseguimos encontrar:
Nosso contato com a fauna local:
Depois de umas boas 3h de pernada, chegamos ao grande desafio da trilha: uma subida íngreme em um solo pedregoso até a parte mais alta da montanha.
Esse trecho requer muito cuidado, tanto que é sinalizado por setas amarelas quase a cada metro! Em dias de chuva ou vento, a subida fica impraticável, de tão perigosa. Foi nessa hora que a idade pesou, e nossos amigos americanos enfrentaram muita dificuldade para subir - mas em momento algum sequer passou pela cabeça deles a ideia de desistir. Estavam lá para chegar até o fim, e foi isso o que fizeram. Cerca de 1h depois, estávamos nós quatro no topo!
Lá de cima, a visão recompensadora sobre a trilha:
A origem do nome "Laguna de los Tres" é bem controversa. Muita gente pensa que vai encontrar 3 lagos, aos pés de 3 glaciares - mas a verdade é que existem apenas 2. Alguns alegam que o nome vem do fato de a Laguna estar cercada por 3 montanhas - outros dizem que é porque ela foi descoberta por 3 exploradores. Independente disso, ela consegue ser ainda mais incrível, imponente, impressionante, imprescindível e todos os "im" existentes e "im"agináveis!
O primeiro lago se assemelha bastante à Laguna Torre:
Mas o segundo, de longe, é o que mais impressiona:
A ideia que se tem é de que foi derramado um balde de tinta verde sobre a água - difícil acreditar que seja a cor natural do lago, de tão bonita e diferente.
Uma coisa que você tem que saber (e que eu não sabia) é que na Laguna de los Tres, ao contrário da Laguna Torre, faz MUITO frio! Como durante a trilha toda da Laguna Torre estava relativamente quente, desta vez eu não tinha levado casaco para não ficar só carregando peso inútil na mochila. Ao longo do percurso a temperatura estava boa, e não sentimos frio em nenhum momento. Mas depois de subir tudo aquilo e estar de frente para a Laguna, o frio que sentimos foi uma coisa absurda! Um vento congelante soprava do glaciar, e a temperatura, acredito eu, estava bem próxima de zero!
A nossa sorte foi ter acompanhado o casal de americanos durante todo o caminho. Assim como nós os ajudamos na subida difícil, eles foram a minha salvação quando me emprestaram um casaco "extra" que tinham levado. Eu não quis nem colocar casaco nenhum na mochila para não ficar pesada, e eles tinham levado 3! Que vergonha!!
2 dicas importantes sobre a Laguna de Los Tres: (1) leve um casaco e (2) use uma daquelas calças que viram bermuda, pois minhas pernas quase congelaram depois dos poucos instantes em que eu cheguei bem perto da laguna!
Retornamos pelo caminho padrão, que conduz ao centro de El Chaltén. Aqui novamente passamos por outra paisagem bem interessante, a Laguna Capri - esta bem diferente das demais. Além de não estar situada num "buraco" diante de uma geleira, ela tinha até uma praia e era BEM mais convidativa para um banho! Mas, como eu estava traumatizado com o frio, nem cogitei entrar na água!
Chegando novamente na cidade, nos despedimos do simpático casal e prometemos que visitaríamos eles na praia de Cape Cod, Massachusetts, onde moram. Não trocamos telefones, nem e-mails, e infelizmente isso nunca aconteceu - mas vontade não me falta de ir até lá!
Com o orçamento bastante reduzido, pensamos que talvez fosse melhor nem jantar. Só que já tínhamos comido sanduíches demais, e nada como uma boa refeição para fechar o dia com chave de ouro! Não conseguíamos pensar em mais nada a não ser no risoto de frango com açafrão do restaurante La Senyera, onde já tínhamos jantado no dia anterior - e foi para lá que nós fomos! Pedimos o mesmo prato e ficamos ainda mais satisfeitos - recomendo e recomendo muito!!!
Mais um dia foi incluído no empate dos melhores da viagem, e ficamos com Laguna Torre, Glaciar Viedma e Laguna de los Tres - todos na primeira posição.
Era realmente uma pena que no dia seguinte deixaríamos El Chaltén para seguir viagem de ônibus rumo a El Calafate. Mas, pelo menos, antes disso ainda teríamos tempo de desbravar a nossa última atração - a trilha de bicicleta até a cachoeira Chorrillo del Salto!
Quer saber como foi essa aventura sobre rodas? Fique de olho no próximo post!
Muito bom, Felipe! Acompanho todos os posts. "Não estão nem aí para conforto nem aparência, aproveitam cada dia de férias para conhecer algum lugar diferente, investem todas as economias em viagem, fazem trilhas, sobem montanhas e praticam esportes. Tenho certeza absoluta de que quero envelhecer dessa mesma forma!" Valeu a pena ter lido isso, em um mundo com cada vez mais futilidades! Mas me diz, tu já fez alguma viagem para Salta ou o Vale da Lua na Argentina? Esses lugares me parecem bem interessantes e lindos...
ResponderExcluirMuito obrigado Lisi, bom saber que está acompanhando! Fico muito feliz!! Em geral são os brasileiros que têm esse jeito fútil de viajar - só ficam em hoteis bons, gastam mais com compras do que com passeios, não se misturam com a natureza, etc. Apesar de eu achar que o nosso povo tem muitas qualidades, o turista brasileiro tem muito a aprender com os americanos, europeus e principalmente australianos. Eles é que sabem viajar!! Não fui ainda para Salta e o Vale da Lua eu nem conhecia, vi as fotos e gostei demais! No norte da Argentina, tenho mais vontade de conhecer o Cerro de los Siete Colores, em Jujuy!
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